quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Bombom

   Quando era pequena sempre tinha infecção de garganta ou crises de bronquite. Aí me levavam ao médico e ele sempre receitava a mesma coisa: - injeção.
    Era injeção pra tudo. Acho que os médicos queriam transformar as crianças em peneiras... E eu, como toda criança, odiava injeções.
    Um dia, depois de um escândalo que fiz na farmácia do seu Acácio, ele disse ao meu pai que seria melhor que ele me levasse na Ivone, porque ela sim tinha jeito para dar injeção em criança. E deu o endereço ao meu pai. Por sorte, ficava perto da minha casa.
    Quando precisei tomar injeção novamente, meu pai me levou lá. 
    Cheguei desconfiada, imaginando a dor que sentiria. Ivone era uma mulata bonita, alta e tinha um bumbum impressionante... Enorme! Gigantesco... Não tinha como não reparar naquela abundância toda.
     Muito simpática, perguntou meu nome e foi logo me dando uma bala. Nisso ela me ganhou. Seu Acácio nunca tinha me dado nada além de injeções...
      Enquanto Ivone, de costas, preparava a seringa e a ampola; fiquei olhando o tamanho de sua traseira. Impossível não olhar! Era tão redonda... e grande... Comecei a rir! 
      Ela perguntou do que eu ria tanto e eu falei:
      - É que você parece um Sonho de Valsa...
      - O quê?
      - Um bombom!
      Meu pai ficou vermelho e a mulher começou a rir e não parava mais...
      Quando me aplicou a injeção, eu quase não senti dor (A danada tinha mãos de fada!). Voltei lá muitas outras vezes. E sempre era recebida com balas e sorriso. Mas eu só conseguia chamá-la de Bombom...
       E não é que o apelido pegou... E ela adorava ser chamada assim : 
       - Bombom!
       Uma doce figura...

      
     
 
    

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Cara de menino

   Quando eu estava no 2º ano, era aluna de d. Arlete. Uma ótima professora. Quase um favo de mel... Era atenciosa e paciente. E também não descuidava da disciplina. Mas tinha lá suas manias... E limpeza era a maior delas.
   Sua sala de aula tinha que ser um primor. Os alunos deveriam estar sempre limpos e com os uniformes impecáveis. Todos com os cabelos bem penteados e as unhas aparadas.
   De vez em quando ela passava entre as filas de carteiras e olhava de cima, a cabeça dos alunos em busca de lêndeas. Dizia que não queria criança piolhenta em sua sala.
   Um dia, num desses passeios entre as carteiras, ela parou perto de mim e ficou olhando fixamente para os meus cabelos. Senti um frio na barriga... Depois, em silêncio, voltou para sua mesa e se pôs a escrever.
   A aula continuou normalmente até que na hora da saída ela chamou meu nome e disse:
   - Raquel, entregue esse bilhete a sua mãe.
   O bilhete estava num envelope fechado, mas eu desconfiava qual seria o assunto... 
   - Piolhos!
    Depois de ler o bilhete, minha mãe foi logo tomando providencia.
    Me colocou sentada entre suas pernas e borrifou Neocid. Apertava a latinha com uma dedicação... Poc Poc Poc... E o pó se espalhando por todo lado. Não sei se ela queria acabar com os piolhos ou comigo...
    Não parava mais de apertar a bendita latinha!
    Depois de tanto Poc Poc Poc , amarrou um pano em minha cabeça e me mandou brincar.
    Passado algum tempo me mandou tomar um banho e passou em mim o pente fino pra ver se tinha algum sobrevivente.
    Quando meu pai chegou em casa eu já não tinha mais piolhos, mas mesmo assim ele deu o veredito:
    - Vamos cortar os cabelos!
    Pensei que iria acertar apenas as pontas e lá fui eu, toda feliz. Ao chegar na Conceição, ele me saiu com essa:
    - Pode cortar bem curto, a la Joãozinho.
    E ela cortou!
    Meu cabelo que era comprido foi embora...
    E eu, quando vi o tamanho do estrago, tive vontade de chorar... Ai que raiva! Raiva da professora, da minha mãe, do meu pai, da Conceição e até de mim, que tinha ficado com cara de menino.
    E pra piorar ainda mais a situação, a noite a bronquite me atacou!
    Fui ao médico e depois da inalação, algumas injeções...
                                   
                         
                         

       
   
   
   

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Circo

     Um ótimo programa para meus pais, nos finais de semana, era o circo. Os dois adoravam! Riam a valer...
Achavam graça até das coisas mais bobas... Pareciam duas crianças.
     O que eles não sabiam (nunca souberam) é que, para mim, ir ao circo era uma grande tortura!
     Eu até que gostava de alguns números que os artistas apresentavam e ria muito das "artes" dos palhaços; mas quando era a vez do mágico... - Ai, Jesus, me proteja!
     Um medo enorme tomava conta de mim. Aquele sujeito, invariavelmente vestido de preto; tirando coisas e animais da cartola, cortando mulheres ao meio e fazendo pessoas sumirem, para mim só podia ser o capeta em forma de gente.
     E nos dias de  hoje, mesmo sabendo que tudo não passa de truques e ilusões, não consigo gostar de mágicos. Inclusive, quando no programa Fantástico, na Globo, aparecia o Mister M, como forma de protesto, eu saia da sala...

                             Gif

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Araçatuba

     Fui à Araçatuba apenas uma vez. Foi no ano de 1.976 e meu pai, em férias, resolveu ir lá visitar sua mãe, que estava muito doente.
     Até então eu conhecia apenas a minha avó materna, que morava em Jales e vinha a minha casa pelo menos duas vezes por ano. A cada visita, ela ficava conosco no mínimo, dois meses. Sinônimo de avó, a minha "vó Mariquinha" (seu nome era Maria Cândida)... Sempre me enchia de doces e carinhos.
     Quando vi meu pai arrumando a mala para a viagem, cismei que ia junto e ele aceitou me levar.
     Fiquei empolgada com a idéia de conhecer minha outra avó, Conceição. Pensava que ela seria igual a vó Mariquinha...
     Quando cheguei a Araçatuba e conheci minha avó, senti medo... Ela era uma figura enorme e usava roupas pretas. Seus cabelos eram totalmente branquinhos e ralos e seus olhos, quase transparentes... Ainda bem que ela não pode ver a cena que se seguiu depois... Eu, grudada em meu pai, escondendo meu rosto em suas costelas.                     
     Não teve jeito de me aproximar da minha avó. Sequer lhe dei um beijo!
     O período que fiquei em Araçatuba foi um dos piores em minha vida. Tinha pesadelos todas as noites e chorava muito, querendo minha mãe.
     Meu pai precisou antecipar o nosso retorno para Campinas.
     Alguns meses depois, meu pai teve que ir as pressas à Araçatuba. Sua velha mãe havia morrido... Dessa vez, meu irmão foi com ele.
                                                   

O cajueiro de dona Sebastiana

        Morando no Jardim Eulina, éramos vizinhos de dona Sebastiana. Ela era uma senhora das antigas... Vivia para a casa, o marido (seu Zé), os muitos netos e os filhos, na maioria casados. Apenas dois deles eram ainda solteiros: Nice e Tonho, que todos diziam ser bicha, (mas como eu não sabia o que era "ser bicha" , não fazia a menor diferença...).
     A casa de dona Sebastiana era um lugar singular. Lugar de muitas festas. Os filhos casados faziam festas  e os filhos solteiros, também. Nunca vi casa mais alegre e sempre tão cheia de gente como aquela...
     Aos poucos, começamos a ser convidados para as festas que faziam lá. E eu não perdia uma!
     Nas festas na casa de dona Sebastiana não podiam faltar o maravilhoso e enfeitado bolo recheado com abacaxi (feito pela Nice) ou os pasteizinhos de carne (feitos com capricho, por dona Sebastiana). Ambos deliciosos!
     Numa das muitas festas, o cajueiro (que ficava na divisa entre nossas casas e quase invadia a janela do meu quarto) estava carregado de cajus. Nunca me senti atraída por aqueles frutos  bonitos porque, quando provei o suco, não gostei do sabor...
     Nesse dia, a Regiane, neta da dona Sebastiana e irmã do Elton, o aniversariante, decidiu que subiria no cajueiro para comer uns cajus. E eu, "solidária", decidi subir junto! Não podia perder essaa aventura... Eu ainda não havia subido em árvores.
     Pois bem, fui junto e subi.E por insistência da Regiane, provei o bendito caju. E não é que gostei do danado... Para falar a verdade, achei uma delícia! Tão diferente do suco sem graça que eu havia provado...
Virei freguesa dos cajus.
     Daquele dia em diante, do quintal da minha casa mesmo, sempre que era época de cajus, pelo menos um por dia eu tinha que comer.
                                                                  
                                                                 640_4_saisons.gif (12030 bytes)

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O asilo.

     Meu pai tinha o hábito de, ao menos um domingo por mês, ir ao Lar dos Velhinhos. Sempre levava algumas roupas e muita conversa.
     Num desses domingos, cismei de ir com ele. Fiz tanta birra que ele concordou em me levar junto, não sem antes frisar que eu não iria me divertir nem um pouquinho...
     Ao chegar no asilo, achei o lugar muito triste; sem movimento, animação ou barulho. Não recebi atenção de quase ninguém... Apenas de uma velhinha, que cismou que eu era sua neta e queria a todo custo ganhar um beijo meu.  Depois disso, fiquei o tempo todo ao lado do meu pai, com um certo receio do lugar.
     Num certo momento, vi um anão bem velhinho, careca e com o chapéu na mão. Desatei a chorar e pedi para ir embora.
     Senti tanto medo daquele velhinho que, até hoje, nunca mais voltei lá.
                                                                                                              
     

sábado, 27 de novembro de 2010

Neguinho

     Neguinho era o filho caçula dos espanhóis donos da casa onde eu morava. Neguinho se chamava Marcelo e tinha, nessa época, uns treze anos...
     Ele era um garoto calado, tímido e quase não tinha amigos. Vivia só, sempre com algum livro na mão.
     As vezes, Neguinho sumia. Ia com seus pais para um sítio, no interior de Minas Gerais e lá ficava por vários dias. Quando voltava estava sempre muito queimado pelo sol. Daí seu apelido...
     Num dos retornos do sítio, Neguinho chegou de ambulância ... Tinha uma perna e os dois braços quebrados. Havia caído de um cavalo.
     Neguinho teria que ficar acamado.Seria longo o período de recuperação.
     A janela do quarto dele fazia frente para minha casa. E eu, muito curiosa, pegava uma cadeira, colocava embaixo de sua janela e ficava lá, a xeretar aquela figura que me lembrava uma múmia...
     No início ele nem me dava atenção, mas com o passar dos dias, foi ficando meu amigo...
     No único dia em que não fui vê-lo, sua mãe foi a minha casa perguntar o que tinha acontecido. Eu havia ficado doente.
     Meu pai costumava me trazer doces, balas ou chicletes, todos os dias, mas como eu estava doente, não queria saber de nada.
     Assim que fiquei boa, peguei a cadeira e fui ver como ele estava. Nesse dia fui convidada a entrar. Antes, fui para casa perguntar a minha mãe se podia ir. Ela autorizou e eu fui, levando comigo alguns chicletes para o Neguinho.
     Naquele dia, aprendi com Neguinho a fazer bolas de chicletes. Pequenas e grandes, todas barulhentas...
     Visitava Neguinho todos os dias. Ele adorava falar do sítio. Dizia que era o lugar mais lindo do mundo, enquanto eu descascava balas, chicletes e bombons para ele... 
     Neguinho tinha em seu quarto muitos livros e discos, mas o que mais me chamava a atenção era seu cofrinho. Pesado e recheado de moedas. Neguinho me disse que quando voltasse a andar, compraria um cofre muito mais bonito para mim.
     Mas, nos mudamos de lá antes que ele ficasse bom...
     Passados uns seis meses desde a nossa mudança, meu irmão chegou em casa com uma notícia... Tinha conversado com  Leninha (irmã do Neguinho) e ela disse que seu pai estava muito doente. Tivera um derrame.
     Meu pai, muito amigo do Espanhol, resolveu visitá-lo. E eu fui junto.
     Lá reencontrei meu amigo Neguinho, sem gesso, curado. Nesse dia, além de abraços e beijos, ganhei o tão sonhado cofrinho. Um porquinho verde, com orelhas tortas, de louça, que, no dia em que se quebrou, me fez chorar de tristeza.