Sonho e Realidade

               


     Antonio chegou em São Paulo vindo de uma minúscula cidade no interior do Pernambuco. Trouxe consigo a esposa e três filhos ainda pequenos. Como bagagem, apenas duas malas surradas, doadas pelo irmão.
     Estava cansado da vida de privações que via, passivo, sua família passar e quis mudar o rumo da sua história. Alguns julgaram que sua decisão era um ato de bravura, outros, loucura.
     Antonio nunca teve grandes sonhos. Queria apenas proporcionar aos seus, uma vida decente.
     Quando chegou, se ajeitou com a família em dois cômodos pequenos, cedidos, dentro da casa de um cunhado.
     Não demorou quase nada para conseguir um emprego, como servente de pedreiro, numa construtora. Teria registro em carteira (o primeiro) e alguns benefícios. Em sua terra, Antonio era considerado um grande pedreiro, mas isso nunca lhe rendeu muita coisa.
     Aos poucos as coisas foram melhorando. As privações já não eram tantas. Seus filhos cresciam felizes: estudavam, brincavam e tinham sonhos.
     Com o tempo Antonio começou a ser valorizado no emprego e já era mestre de obras. E dos bons!
     Morava numa casa financiada. Pequena, mas confortável. Tinha uma vida honesta e era um cidadão respeitado. Sua unica tristeza era causada pela saudade que sentia de sua terra natal.
     Via seus filhos crescendo e se encaminhando na vida e sentia orgulho de ter tomado para si as rédeas do seu destino.
     Mas Antonio tinha uma preocupação: seu filho caçula só pensava em futebol. Seu garoto era, na sua opinião, um sonhador. Está certo que todos, inclusive ele, achavam que seu filho, em breve, seria mais uma grande revelação do futebol brasileiro e mesmo assim, algo dentro dele não acreditava nisso.
     Antonio era realista demais para acreditar em sonhos. Não tinha tempo para sonhar e não conseguia imaginar nada além do possível.
     Mas o filho de Antonio era diferente. O garoto sonhava... E sonhava grande! Conseguia se ver usando a camisa da seleção sem sequer estar jogando futebol num grande time.
     Antonio sentia pena do filho e de seus delírios...
     Num final de tarde, ao chegar do trabalho, Antonio foi informado pela esposa (que não cabia em si de alegria), que o filho deles faria testes no time mais popular da cidade. Intimamente, Antonio sentiu orgulho, mas calou-se. Preferiu não comentar o assunto.
     O filho de Antonio passou nos testes e foi contratado. Era mais um reserva do time. Até que um dia, mais uma vez, a sorte lhe sorriu. O titular da posição foi expulso e ele entrou em campo. Entrou e fez a diferença. Dribles fantásticos, passes espetaculares e um gol. Virou titular!
     Em pouco tempo era reconhecido pela imprensa esportiva como o ídolo do time.
     Mas Antonio, cada vez mais calado, não conseguia acreditar no que via...
     Seu filho, a cada dia, mais famoso. Artilheiro do campeonato, um terror para os goleiros.
     A família de Antonio tinha, agora, uma vida nunca antes imaginada por ele. Muito luxo e riqueza. E ele, calado, sempre a ter medo e duvidar.
     Antonio não falava para ninguém, mas, dentro dele, tinha certeza que aquilo tudo que via, não passava de uma grande ilusão. Aos poucos, começou a falar sozinho. Sempre palavras soltas, sem nexo. Envelheceu rapidamente e suas mãos ficaram trêmulas.
     Na cabeça de Antonio, realidade e sonho passaram a ser a mesma coisa. Não sabia se aquilo que vivia era real. Duvidava de tudo...
     Numa manhã, acordou agressivo, atirando tudo o que via pela frente em todos que estavam por perto.
     A unica solução encontrada pela família foi interná-lo para um tratamento psiquiátrico.
     E, na semana em que foi internado, Antonio não viu a imagem mais comentada da semana: seu filho, o sonhador, fez um golaço, vestindo a camisa da seleção. E na comemoração pelo gol, em frente as camêras, disse: - Pai, esse gol é seu!