quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Araçatuba

     Fui à Araçatuba apenas uma vez. Foi no ano de 1.976 e meu pai, em férias, resolveu ir lá visitar sua mãe, que estava muito doente.
     Até então eu conhecia apenas a minha avó materna, que morava em Jales e vinha a minha casa pelo menos duas vezes por ano. A cada visita, ela ficava conosco no mínimo, dois meses. Sinônimo de avó, a minha "vó Mariquinha" (seu nome era Maria Cândida)... Sempre me enchia de doces e carinhos.
     Quando vi meu pai arrumando a mala para a viagem, cismei que ia junto e ele aceitou me levar.
     Fiquei empolgada com a idéia de conhecer minha outra avó, Conceição. Pensava que ela seria igual a vó Mariquinha...
     Quando cheguei a Araçatuba e conheci minha avó, senti medo... Ela era uma figura enorme e usava roupas pretas. Seus cabelos eram totalmente branquinhos e ralos e seus olhos, quase transparentes... Ainda bem que ela não pode ver a cena que se seguiu depois... Eu, grudada em meu pai, escondendo meu rosto em suas costelas.                     
     Não teve jeito de me aproximar da minha avó. Sequer lhe dei um beijo!
     O período que fiquei em Araçatuba foi um dos piores em minha vida. Tinha pesadelos todas as noites e chorava muito, querendo minha mãe.
     Meu pai precisou antecipar o nosso retorno para Campinas.
     Alguns meses depois, meu pai teve que ir as pressas à Araçatuba. Sua velha mãe havia morrido... Dessa vez, meu irmão foi com ele.
                                                   

O cajueiro de dona Sebastiana

        Morando no Jardim Eulina, éramos vizinhos de dona Sebastiana. Ela era uma senhora das antigas... Vivia para a casa, o marido (seu Zé), os muitos netos e os filhos, na maioria casados. Apenas dois deles eram ainda solteiros: Nice e Tonho, que todos diziam ser bicha, (mas como eu não sabia o que era "ser bicha" , não fazia a menor diferença...).
     A casa de dona Sebastiana era um lugar singular. Lugar de muitas festas. Os filhos casados faziam festas  e os filhos solteiros, também. Nunca vi casa mais alegre e sempre tão cheia de gente como aquela...
     Aos poucos, começamos a ser convidados para as festas que faziam lá. E eu não perdia uma!
     Nas festas na casa de dona Sebastiana não podiam faltar o maravilhoso e enfeitado bolo recheado com abacaxi (feito pela Nice) ou os pasteizinhos de carne (feitos com capricho, por dona Sebastiana). Ambos deliciosos!
     Numa das muitas festas, o cajueiro (que ficava na divisa entre nossas casas e quase invadia a janela do meu quarto) estava carregado de cajus. Nunca me senti atraída por aqueles frutos  bonitos porque, quando provei o suco, não gostei do sabor...
     Nesse dia, a Regiane, neta da dona Sebastiana e irmã do Elton, o aniversariante, decidiu que subiria no cajueiro para comer uns cajus. E eu, "solidária", decidi subir junto! Não podia perder essaa aventura... Eu ainda não havia subido em árvores.
     Pois bem, fui junto e subi.E por insistência da Regiane, provei o bendito caju. E não é que gostei do danado... Para falar a verdade, achei uma delícia! Tão diferente do suco sem graça que eu havia provado...
Virei freguesa dos cajus.
     Daquele dia em diante, do quintal da minha casa mesmo, sempre que era época de cajus, pelo menos um por dia eu tinha que comer.
                                                                  
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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O asilo.

     Meu pai tinha o hábito de, ao menos um domingo por mês, ir ao Lar dos Velhinhos. Sempre levava algumas roupas e muita conversa.
     Num desses domingos, cismei de ir com ele. Fiz tanta birra que ele concordou em me levar junto, não sem antes frisar que eu não iria me divertir nem um pouquinho...
     Ao chegar no asilo, achei o lugar muito triste; sem movimento, animação ou barulho. Não recebi atenção de quase ninguém... Apenas de uma velhinha, que cismou que eu era sua neta e queria a todo custo ganhar um beijo meu.  Depois disso, fiquei o tempo todo ao lado do meu pai, com um certo receio do lugar.
     Num certo momento, vi um anão bem velhinho, careca e com o chapéu na mão. Desatei a chorar e pedi para ir embora.
     Senti tanto medo daquele velhinho que, até hoje, nunca mais voltei lá.
                                                                                                              
     

sábado, 27 de novembro de 2010

Neguinho

     Neguinho era o filho caçula dos espanhóis donos da casa onde eu morava. Neguinho se chamava Marcelo e tinha, nessa época, uns treze anos...
     Ele era um garoto calado, tímido e quase não tinha amigos. Vivia só, sempre com algum livro na mão.
     As vezes, Neguinho sumia. Ia com seus pais para um sítio, no interior de Minas Gerais e lá ficava por vários dias. Quando voltava estava sempre muito queimado pelo sol. Daí seu apelido...
     Num dos retornos do sítio, Neguinho chegou de ambulância ... Tinha uma perna e os dois braços quebrados. Havia caído de um cavalo.
     Neguinho teria que ficar acamado.Seria longo o período de recuperação.
     A janela do quarto dele fazia frente para minha casa. E eu, muito curiosa, pegava uma cadeira, colocava embaixo de sua janela e ficava lá, a xeretar aquela figura que me lembrava uma múmia...
     No início ele nem me dava atenção, mas com o passar dos dias, foi ficando meu amigo...
     No único dia em que não fui vê-lo, sua mãe foi a minha casa perguntar o que tinha acontecido. Eu havia ficado doente.
     Meu pai costumava me trazer doces, balas ou chicletes, todos os dias, mas como eu estava doente, não queria saber de nada.
     Assim que fiquei boa, peguei a cadeira e fui ver como ele estava. Nesse dia fui convidada a entrar. Antes, fui para casa perguntar a minha mãe se podia ir. Ela autorizou e eu fui, levando comigo alguns chicletes para o Neguinho.
     Naquele dia, aprendi com Neguinho a fazer bolas de chicletes. Pequenas e grandes, todas barulhentas...
     Visitava Neguinho todos os dias. Ele adorava falar do sítio. Dizia que era o lugar mais lindo do mundo, enquanto eu descascava balas, chicletes e bombons para ele... 
     Neguinho tinha em seu quarto muitos livros e discos, mas o que mais me chamava a atenção era seu cofrinho. Pesado e recheado de moedas. Neguinho me disse que quando voltasse a andar, compraria um cofre muito mais bonito para mim.
     Mas, nos mudamos de lá antes que ele ficasse bom...
     Passados uns seis meses desde a nossa mudança, meu irmão chegou em casa com uma notícia... Tinha conversado com  Leninha (irmã do Neguinho) e ela disse que seu pai estava muito doente. Tivera um derrame.
     Meu pai, muito amigo do Espanhol, resolveu visitá-lo. E eu fui junto.
     Lá reencontrei meu amigo Neguinho, sem gesso, curado. Nesse dia, além de abraços e beijos, ganhei o tão sonhado cofrinho. Um porquinho verde, com orelhas tortas, de louça, que, no dia em que se quebrou, me fez chorar de tristeza.

                                                               
     
     

Duque

     Ainda morando no Jardim Aurélia, na casa de fundos do casal espanhol, tive a primeira experiência desagradável envolvendo cães. 
     Foi assim...
     O filho caçula dos proprietários da casa onde eu morava tinha um pastor alemão que era o guardião do pedaço. Seu nome era Duque.
     Duque não era dado a amizades. Foi criado para ser cão de guarda e só. Não fazia gracinhas e nem brincava com ninguém. A unica qualidade de Duque é que não era agressivo com os moradores dali.
     Numa noite de domingo, após o jantar, minha mãe me pediu que levasse as sobras de comida para o Duque. Acho que naquele tempo, cães e gatos só viviam de sobras...
     Duque vivia na garagem da casa da frente.
     Fui levar a comida, bem quietinha ... Quando cheguei lá, a luz estava apagada e o local, bastante escuro. Mesmo assim, encontrei a vasilha dele e abaixei, para colocar a comida...                                                                    
     De repente, Duque pulou em cima de mim. Cai! Quando senti sua boca em meu braço, falei:
     - Sou eu, Duque!
     Ele parou automaticamente, sem deixar em mim um arranhão sequer.
     A partir desse dia, nunca mais quis muita graça com cães...
                                                         

domingo, 14 de novembro de 2010

A bacia do meu avô.

     Minha mãe sempre dizia que seu pai era muito teimoso. E eu sabia bem o que isso significava... Ela dizia o mesmo de mim! 
     Do meu avô tenho apenas uma fotografia e uma vaga lembrança. O vi apenas uma vez e gostei dele. O conheci quando, com cinco anos fui a Jales pela primeira vez. Ele já era bem velhinho e passava a maior parte do tempo sentado, proseando... Ele fazia meu pai rir muito durante a conversa. E eu sempre por perto, ouvindo tudo o que diziam. Eu também ria muito...Achei meu avô engraçado.
      Depois de alguns meses que tínhamos voltado para Campinas, chegou em casa um telegrama (ainda não tínhamos telefone) que dizia que meu avô estava muito doente porque, durante o banho caiu e "quebrou a bacia". Minha mãe ficou numa tristeza só. Achei aquilo uma besteira... Onde já se viu ficar doente por causa de uma bacia quebrada? Era só comprar outra bacia, bem novinha, que ele ficaria bom...
      Passado alguns dias, meu primo Wilsinho chegou em casa trazendo a notícia que meu avô estava morto.
      Demorou algum tempo para que eu entendesse que a bacia "causadora" da morte do meu avô tinha sido outra... 

A visita dos primos.

     Em dezembro de 1977 minha avó veio para minha casa e trouxe com ela dois netos: Toninho e Gilda.
     Vieram de trem.
     Eu não cabia em mim de tanta alegria. Os dias que eles passaram em casa foram inesquecíveis.
     A Gilda tinha a mesma idade que eu e o Toninho era um pouco mais velho.
     Imagine o que não virou a minha casa naquele final de ano... Três crianças ávidas por novas aventuras. Minha mãe e minha avó não tinham sossego...
     Guardo com muita saudade, na lembrança, as artes daqueles dias, mas duas, entraram para a história...

                                                         Xixi na Cama

      Minha prima, na hora de dormir ouviu de minha avó uma recomendação: - Vá ao banheiro para não fazer xixi na cama...
      A Gilda foi sem dizer nada. Eu fui atrás dela e perguntei:
      - Você faz xixi na cama?
      - As vezes, respondeu.
      - Por que?
      - Acho gostoso. A cama fica quentinha...
      E eu, que não tinha a menor lembrança de como era fazer xixi na cama, fiquei curiosa... Precisava experimentar a novidade.
      Depois que me deitei e percebi que a casa estava em silêncio, pus em prática meu plano... Soltei todo o xixi que tinha guardado para aquele momento. É, a Gilda não havia mentido. Era mesmo quentinho... Quanto a parte de ser gostoso... Quando começou a esfriar, quem disse que eu conseguia dormir?
      Levantei da cama e comecei a procurar um lençol para trocar minha cama. Fiz tanto barulho que minha mãe veio saber o que estava acontecendo... Me pegou virando o colchão. Precisei me explicar.
      A punição foi a seguinte: - Lavar o lençol assim que acordasse... E colocar o colchão no sol, para secar.
      Quase morri de vergonha...
      Depois disso, xixi na cama, nunca mais!
                                                         

                                                      Champagne

      O Toninho, além de ser o mais velho, era bem mais "esperto" que Gilda e eu. Tinha grandes idéias o tempo todo. E nós duas, éramos sempre suas cúmplices...
      Na tarde do Natal, depois de muitas negativas quanto a nossa vontade de tomar champagne (sidra, na verdade...) o Toninho decidiu pegar uma garrafa da geladeira sem que ninguém visse.
      Pegou a garrafa escondido e levou para o fundo do quintal. Nós duas fomos atrás...
      Ele abriu a garrafa e provou, no gargalo mesmo. Nós duas repetimos seu gesto. E fomos bebendo, só no gargalo... até acabar. Eu  comecei a achar graça de tudo... Qualquer coisa era motivo para uma boa gargalhada... Estava bebada! Não me lembro se a Gilda ou o Toninho aprontaram alguma coisa, mas eu aprontei...
      Fui na frente de casa, peguei a mangueira, abri a torneira e comecei a molhar todo mundo que via pela frente, dizendo:
      - Olha a neve! Feliz Natal...
      Mais uma vez, não apanhei por muito pouco