sábado, 27 de novembro de 2010

Neguinho

     Neguinho era o filho caçula dos espanhóis donos da casa onde eu morava. Neguinho se chamava Marcelo e tinha, nessa época, uns treze anos...
     Ele era um garoto calado, tímido e quase não tinha amigos. Vivia só, sempre com algum livro na mão.
     As vezes, Neguinho sumia. Ia com seus pais para um sítio, no interior de Minas Gerais e lá ficava por vários dias. Quando voltava estava sempre muito queimado pelo sol. Daí seu apelido...
     Num dos retornos do sítio, Neguinho chegou de ambulância ... Tinha uma perna e os dois braços quebrados. Havia caído de um cavalo.
     Neguinho teria que ficar acamado.Seria longo o período de recuperação.
     A janela do quarto dele fazia frente para minha casa. E eu, muito curiosa, pegava uma cadeira, colocava embaixo de sua janela e ficava lá, a xeretar aquela figura que me lembrava uma múmia...
     No início ele nem me dava atenção, mas com o passar dos dias, foi ficando meu amigo...
     No único dia em que não fui vê-lo, sua mãe foi a minha casa perguntar o que tinha acontecido. Eu havia ficado doente.
     Meu pai costumava me trazer doces, balas ou chicletes, todos os dias, mas como eu estava doente, não queria saber de nada.
     Assim que fiquei boa, peguei a cadeira e fui ver como ele estava. Nesse dia fui convidada a entrar. Antes, fui para casa perguntar a minha mãe se podia ir. Ela autorizou e eu fui, levando comigo alguns chicletes para o Neguinho.
     Naquele dia, aprendi com Neguinho a fazer bolas de chicletes. Pequenas e grandes, todas barulhentas...
     Visitava Neguinho todos os dias. Ele adorava falar do sítio. Dizia que era o lugar mais lindo do mundo, enquanto eu descascava balas, chicletes e bombons para ele... 
     Neguinho tinha em seu quarto muitos livros e discos, mas o que mais me chamava a atenção era seu cofrinho. Pesado e recheado de moedas. Neguinho me disse que quando voltasse a andar, compraria um cofre muito mais bonito para mim.
     Mas, nos mudamos de lá antes que ele ficasse bom...
     Passados uns seis meses desde a nossa mudança, meu irmão chegou em casa com uma notícia... Tinha conversado com  Leninha (irmã do Neguinho) e ela disse que seu pai estava muito doente. Tivera um derrame.
     Meu pai, muito amigo do Espanhol, resolveu visitá-lo. E eu fui junto.
     Lá reencontrei meu amigo Neguinho, sem gesso, curado. Nesse dia, além de abraços e beijos, ganhei o tão sonhado cofrinho. Um porquinho verde, com orelhas tortas, de louça, que, no dia em que se quebrou, me fez chorar de tristeza.

                                                               
     
     

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