segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Crianças e testas

                                                                    I          

     Assim que nos mudamos do Furazóio, ainda com cinco anos, fomos morar numa casa de fundos no Jardim Aurélia, que pertencia a um casal espanhol muito divertido que tinhas dois casais de filhos, sendo que a mais velha já era casada e o mais novo ainda era um menino de doze anos. O casal com os três filhos solteiros moravam na casa da frente.
     Como eu não tinha com quem brincar, logo fiz amizade com uma menina da mesma idade e que morava na casa ao lado. Seu nome era Valdirene.
     Aos poucos fui descobrindo que Valdirene era muito briguenta. Por qualquer coisinha, me enchia de beliscões. Era só ser contrariada que me puxava os cabelos. Eu sempre levava a pior, até que um dia...
     Um dia a Valdirene me chamou para brincar de "cavar pocinho". Peguei uma colher sem que minha mãe percebesse e fui. Sentamos na terra, uma em frente da outra, cada uma com a sua colher na mão, cavando. A terra estava umida por conta da proximidade com um pé de chuchu. Até que, num certo momento, Valdirene encontrou uma minhoca.
     Fiquei morrendo de medo.                      
     Valdirene, por pura falta do que fazer e acredito, por perceber o medo que senti, pegou a minhoca e jogou em cima de mim que, por puro instinto de defesa, acertei sua testa com a borda da colher, chegando a fazer um pequeno corte.
     A menina veio para cima de mim e teve seu dia de fúria. Foi a primeira vez que apanhei.
     Depois desse dia, nunca mais brinquei com ela, que foi a garota mais chata e malvada que atravessou os caminhos da minha infância.

                                                                    II

     Aos oito anos, morando no Jardim Eulina (numa casa confortável), eu era muito feliz.
     Vivia cercada de amiguinhos da mesma faixa etária que eu, sendo todos muito amigos entre si. Éramos uma turminha.
     Fazíamos tudo juntos e os dias voavam.
     Um dia chegou uma menina nova na rua. Uma loirinha linda chamada Silvana, que também era muito legal. Numa tarde de sábado, Silvana e eu decidimos brincar de casinha. As outras crianças foram brincar de outras coisas. Menos o Tinho (Válter) que queria de qualquer jeito brincar de casinha conosco. O Tinho era apaixonado pela Silvana (paixão que chegou a adolescência) e não queria saber de ficar fora da brincadeira.
     Eu, num estalo, disse a ele que casinha era brincadeira de meninas. Ele teve uma reação que eu não esperava. Sei lá de onde tirou uma pilha (tamanho médio) e jogou na minha direção. Maldita pontaria! Acertou bem no meio da minha testa.
     Na hora não senti dor. Só raiva...
     A Silvana me olhava assustada. O Tinho saiu correndo para a sua casa e eu atrás, querendo pegá-lo.
     De repente senti que meu vestido estava molhado e parei para olhar... Meu vestido branco com fivelas douradas estava todo sujo pelo sangue que descia da minha testa.
     Fui para casa trocar de roupa e ver o machucado. Quando entrei em casa, dei de cara com minha mãe que ao me ver, desmaiou. Meu pai não sabia o que fazer... Quem socorrer primeiro?
     Meu irmão, (um ás em iniciativa) mandou que eu trocasse de roupa e me levou para a Beneficência Portuguesa.
     Tentaram suturar minha testa mas eu, no alto da esperteza dos meus oito anos, saí correndo de lá depois que vi o tamanho da agulha que vieram para o meu lado.
     Quando conseguiram me pegar, fizeram um ponto falso e me mandaram para casa.

                                                                      III

     Aos dez anos, a minha melhor amiga era a Walkíria (Quira). Éramos unha e carne.
     Andávamos sempre juntas. Onde uma ia, a outra tinha que ir também. Gostávamos das mesmas coisas e nunca tinha confusão entre nós duas. A gente ia e voltava juntas da escola. Só não estudávamos na mesma sala por pura falta de sorte...
     Walkíria era a menina mais "boa praça" que conheci. Tagarela, querida por todos e dona dos cabelos mais lindos que alguém podia ter, sempre muito arrumadinhos pela sua mãe, dona Cleonice, que se apresentava a todos dizendo ser revendedora da Avon e da Tupperware.
     Um dia, voltando juntas da escola, o Orlandir começou a provocá-la chamando-a de "lagartixa".
     Walkíria fingia que não ligava, mas já estava vermelha de tanta raiva e vergonha.
     Pediu que ele parasse, sem resultado. O Orlandir repetindo sem parar: - Cara de lagartixa!
     Eu tentava fazê-lo parar e também não conseguia...
     Já na nossa rua, de dentro de uma lixeira, a Walkíria pegou uma lata de óleo e avisou:
     - Se não parar, vou acertar isso em você!
     O Orlandir riu e desafiou:
     - Duvido...
     Mal terminou de falar e foi atingido pela latada certeira que Walkíria mandou em direção de sua testa.


                                                                            ___

     Obs: Das três histórias acima, a que rendeu maior confusão foi a que protagonizei com Valdirene. Não pela gravidade do corte (o menor deles), mas pelo pavio curto que sua mãe tinha.

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